O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou convênio acabando com a obrigatoriedade de transferência de créditos de ICMS em operações de transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos da mesma titularidade. Na prática, isso significa que os contribuintes poderão optar por usar os créditos no estabelecimento de origem ou transferi-los para uso no estabelecimento de destino, conforme sua conveniência. As alterações constam no Convênio ICMS 109/2024, a segunda norma editada pelo conselho com o objetivo de alinhar as regras de transferência de créditos à Lei Complementar (LC) 204/2023, que regulamentou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADC 49.
Segundo tributaristas, o convênio é positivo para as empresas devido ao fim da obrigatoriedade da transferência de créditos. Porém, os advogados fizeram críticas a alguns pontos da nova regulamentação, como a limitação aos créditos na origem e a limitação ao valor da operação para definição da base de cálculo do ICMS quando o contribuinte optar por tratar a operação como equiparável a uma operação tributada.
A norma foi publicada na segunda-feira (7/10) no Diário Oficial da União, revogando o Convênio 178/2023, que antes regulamentava esse tipo de transferência. No entanto, as mudanças só serão válidas após os estados incorporarem o novo convênio às normas locais por meio da edição de leis.
Na ADC 49, o STF decidiu que não há incidência de ICMS nas transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. Posteriormente, na modulação, a Corte definiu que as empresas poderiam usar os créditos dessas operações. O Congresso editou a LC 204 para definir como funcionará o aproveitamento dos créditos. Ao JOTA , tributaristas afirmaram que o convênio 178, o primeiro editado pelo Confaz para se adequar à lei, previa a obrigatoriedade da transferência dos créditos, o que não é do interesse das empresas.
Se uma companhia realiza muitas operações tributadas, por exemplo, seria do seu interesse manter os créditos de ICMS no estabelecimento do estado de origem, a fim de aproveitá-los. Já no caso de as operações tributadas ocorrerem no estabelecimento do estado de destino, o interesse seria na transferência dos créditos.
Os tributaristas consideraram o fim da obrigatoriedade da transferência de créditos um ponto positivo para as empresas. “A questão da não obrigatoriedade é um ponto importante. Acaba sendo relevante para os contribuintes porque de fato abre uma possibilidade de se interpretar que eu posso transferir a mercadoria sem transferir obrigatoriamente o crédito”, afirma o advogado César Chinaglia, sócio do Chinaglia Nicacio Advogados.
“[A nova norma] avançou razoavelmente em relação ao [convênio] anterior, pois acabou reconhecendo que a transferência dos créditos de ICMS para o estabelecimento de destino é um direito do contribuinte e não uma obrigatoriedade, como previa o convênio 178/2023”, diz Caio César Morato, do Rayes & Fagundes Advogados Associados.
Restrição
Porém, alguns advogados criticaram o fato de a norma limitar a tomada de créditos no estado de origem, ao prever que a unidade da federação que envia a mercadoria fica obrigada a assegurar à companhia, sob a forma de créditos de ICMS, somente a diferença entre os créditos relativos à entrada da mercadoria no estabelecimento e a alíquota do ICMS sobre a operação de transferência para o estabelecimento situado em outro estado. Para Maurício Barros, sócio da área tributária do Cescon Barrieu, na prática, ao limitar a tomada de créditos no estado de origem, o convênio acaba forçando os contribuintes a realizarem a transferência para evitar perdê-los.
“[A norma] está dizendo: contribuinte, você tem direito a transferir o crédito, mas a unidade de origem só está obrigada a garantir a diferença entre o que entrou e o que saiu. Ou seja, se você não transferir o crédito, o estado de origem vai glosar [impedir o uso do crédito]”, disse.
O advogado Caio César Morato também considera que o trecho não é tão benéfico ao contribuinte. “A cláusula primeira [do convênio] diz que o estado de origem deve garantir apenas parte do crédito, e não todo o crédito da operação. Ou seja, ele até permite você não transferir, mas você deve apurar um valor proporcional [em crédito]”, comenta.
O advogado César Chinaglia, porém, observa que o convênio está apenas reproduzindo o que já previa a lei complementar. “Não digo que está forçando a transferência, até porque essa limitação está prevista na Lei Kandir [LC 87/1996, modificada pela LC 204, que regulamentou a transferência de créditos no âmbito da ADC 49]. A própria lei só permite que mantenha o crédito caso tenha uma diferença positiva entre os créditos das operações e prestações anteriores e o que tributou na transferência”, comentou.
Conforme o inciso II do parágrafo 4° do artigo 12 da LC 87/1996, na redação conferida pela LC 204/2023, os créditos do ICMS serão assegurados pela unidade federada de origem somente em caso de diferença positiva entre os créditos de entrada, ou seja, de operações anteriores, e o crédito transferido limitado aos percentuais do ICMS aplicado ao valor da operação.
Operação tributada
O novo convênio também se alinha à alteração na LC 204 com a derrubada em junho do veto presidencial à possibilidade de os contribuintes optarem pela tributação das operações de transferência do ICMS, ou seja, optarem por pagar o imposto. Segundo os especialistas, alguns contribuintes preferem a incidência do imposto no caso de terem direito a um benefício fiscal como, por exemplo, crédito presumido de ICMS. Para esses contribuintes, pagar o tributo é mais vantajoso, uma vez que sem o ICMS ficariam impedidos de fruir o benefício.
Embora a possibilidade de tratar a transferência como equiparada a uma operação tributada tenha previsão legal desde a derrubada do veto pelo Congresso, na prática, a modalidade vai valer para os estados apenas com a regulamentação via convênio e, depois, com a edição de leis locais. Um ponto criticado por tributaristas na norma do Confaz foi a limitação do valor da operação para definir a base de cálculo do ICMS, caso o contribuinte faça esta opção. O temor, neste caso, é que essa limitação da base de cálculo afete possíveis benefícios fiscais.
Contudo, para César Chinaglia, isso não deve ocorrer, uma vez que o convênio prevê, no parágrafo 3° da cláusula sexta, que a utilização da sistemática “não implica no cancelamento ou modificação dos benefícios fiscais concedidos pela unidade federada de origem e destino”.
“Quando [o convênio] fala que pode optar pela transferência equiparada [à operação tributada], fala que a utilização dessa sistemática não implica no cancelamento ou modificação do benefício. Me parece que o próprio convênio previu a possibilidade”, afirma Chinaglia.
Para Adolpho Bergamini, sócio do Bergamini Advogados, a possibilidade de equiparar a transferência de mercadorias a uma operação tributada é o ponto mais vantajoso no novo convênio para as empresas.
““[Para o contribuinte] é melhor que a transferência seja tributada porque dá uma liberdade de a operação ser montada com base nessa perspectiva de crédito. Algumas situações demandam que o contribuinte tenha operações tributadas. Se você comprar um ativo imobilizado, por exemplo, para fins de ICMS, pode tomar crédito. Se, no mês, eu tive 70% das operações tributadas e 30% não tributadas, vou usar esse crédito na proporção das operações tributadas. Se eu pudesse recomendar, diria para fazer esta opção [tratar como operação tributada], pois garante fluxo de créditos e alguns benefícios”, afirma.