A Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) entendeu que não incidem Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL sobre benefícios fiscais de ICMS, desde que preencham os requisitos contábeis previstos na legislação. É uma das primeiras decisões proferidas pelos conselheiros após a edição pela Receita Federal de soluções de consulta que restringem a não incidência dos tributos.
Nas soluções de consulta (Disit nº 1.009 e Cosit nº 145, ambas do fim de 2020, e Disit nº 6.028, publicada na sexta-feira), o órgão voltou a estabelecer que apenas os benefícios de ICMS considerados como subvenção para investimento (concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos) escapariam da tributação.
Para o órgão, se concedidos apenas para reforçar o caixa das empresas, sem uma destinação específica, os benefícios fiscais devem ser considerados subvenção para custeio e tributados pelo IRPJ e CSLL. Advogados lembram, porém, que não há limitações na Lei Complementar nº 160, de 2017. A norma acrescentou o parágrafo 4º ao artigo 30 da Lei nº 12.973, de 2014, para estabelecer que qualquer incentivo deve ser considerado subvenção para investimento.
Antes da edição da norma, existiam muitos processos que discutiam caso a caso se o benefício fiscal poderia ser excluído ou não da base de cálculo dos tributos. “Essa dicotomia gerou um grande contencioso fiscal. Em muitos casos se discutia se poderia [o incentivo] ser classificado como subvenção para investimento. Isso era feito sempre a partir da análise da legislação específica de cada benefício de ICMS”, afirma Thiago Marigo, do Freitas Leite Advogadosc.
A partir de 2017, com a Lei Complementar nº 160, editada para acabar com a guerra fiscal entre os Estados, pensava-se, segundo o advogado, que o problema estava solucionado. “Até que a própria Receita mudou seu posicionamento, por meio da Solução de Consulta nº 145”, diz.
O impacto econômico da discussão é considerável, afirma o tributarista Breno de Paula, sócio do escritório Arquilau de Paula Advogados. Ele lembra que existem programas de desenvolvimento regional espalhados pelo país e que podem alcançar reduções que chegam a até 90% do ICMS.
Uma empresa com um faturamento de R$ 100 milhões, por exemplo, teria que pagar normalmente R$ 17 milhões de ICMS – levando-se em consideração alíquota de 17%. Com um benefício de 90%, esse valor cairia para R$ 1,7 milhão. Com o entendimento do Carf, a diferença de mais de R$ 15 milhões deveria ser abatida como despesa. A Receita entende, porém, que tudo pode ser tributado.
O caso analisado pela Câmara Superior é de uma indústria farmacêutica. A maioria dos conselheiros da 1ª Turma entendeu que deve ser aplicado o que determina a Lei Complementar nº 160, de 2017 (processo nº 13116.721486/2011-29). O placar foi de cinco votos a três.
Segundo a decisão, a norma “subtraiu a competência das autoridades de fiscalização tributária federal e dos próprios julgadores do contencioso tributário de analisar normativos locais e, consequentemente, de decidir se determinada benesse estadual ou distrital, referente ao ICMS, trata-se de subvenção de custeio ou de investimento”.
No caso, o laboratório tinha aderido ao chamado Fundo de Participação e Fomento à Industrialização (Fomentar), programa de incentivo pelo qual o governo do Estado de Goiás concedia às pessoas jurídicas interessadas um empréstimo de até 70% do montante equivalente ao ICMS devido, visando ao fomento das atividades industriais. O programa foi criado pela Lei Estadual n° 9.489, de 1984, e regulamentado pelo Decreto n° 3.822, de 1992.
Num segundo momento, editou-se a Lei Estadual n° 13.436, de 1998, que tratou da liquidação antecipada dos contratos de financiamento do Fomentar. Com base nessa norma, o laboratório beneficiou-se de um abatimento R$ 67,9 milhões, equivalente a 88% do saldo devedor original.
O relator, conselheiro Luiz Tadeu Matosinho Machado, ficou vencido no caso. Prevaleceu o voto do conselheiro Caio Cesar Nader Quintella, redator designado. Ele levou em consideração que a lei complementar estabeleceu que todos os benefícios de ICMS devem ser considerados como subvenção para investimento e, portanto, não devem ser tributados.
De acordo com ele, o parágrafo 4º do artigo 30 “deixa claro que incentivos e benefícios de ICMS concedidos são subvenções para investimento, não podendo mais ser exigido outros requisitos ou condições além daquilo estipulado no próprio artigo 30”.
Para o tributarista Breno de Paula, “a Câmara Superior de Recursos Fiscais dá efetividade e concretude ao comando legal”. Ele acrescenta que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) já é firme no sentido de que benefícios fiscais e bonificações não podem integrar a base de cálculo de tributos federais.
O advogado Maurício Faro, do BMA Advogados, afirma que trata-se de um precedente muito importante do Carf “porque prestigia o espírito da norma e afasta a aplicação da solução de consulta da Receita que tentava regredir ao entendimento acerca da necessidade de comprovação sobre a classificação do benefício”.
Em nota, a Receita Federal informou que não comenta decisões judiciais. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) não deu retorno até o fechamento da edição.