Em voto apresentado nesta sexta-feira, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), divergiu parcialmente do relator e reconheceu a constitucionalidade do dispositivo que determina que a lei complementar regulamentadora da cobrança do diferencial de alíquota (Difal) de ICMS respeite a noventena. O voto foi proferido nas ADIs 7.066, 7.070 e 7.078.
Na prática, caso essa posição prevaleça, os estados e o Distrito Federal poderão cobrar o Difal de ICMS desde 5 de abril de 2022. Além disso, no caso de unidades federativas que iniciaram a cobrança antes, os contribuintes poderão pedir a restituição de valores recolhidos indevidamente. O placar está em 1X1 para que a lei respeite a noventena.
A controvérsia diz respeito à Lei Complementar 190/22. A norma regulamentou a cobrança, pelos estados, do Difal em operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte do imposto localizado em outro estado. O problema é que, como a LC 190/22 foi publicada em 5 de janeiro de 2022, desde então, estados e contribuintes divergem sobre o início dos seus efeitos, se em 2022 ou em 2023, em respeito aos princípios da anterioridade nonagesimal e geral (anual).
O julgamento estava suspenso desde 27 de setembro e foi retomado nesta sexta-feira (4/11). Em seu voto-vista, o ministro Dias Toffoli entendeu que a lei complementar não institui ou majora tributo, mas apenas define regras gerais, e, portanto, em regra, não deveria observar as anterioridades.
No entanto, Toffoli considerou constitucional o artigo 3ª da LC 190/22. Esse dispositivo faz referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea c, da Constituição, que prevê o respeito à anterioridade nonagesimal e também define que deve ser observado o disposto na alínea b. Esta, por sua vez, trata da anterioridade anual.
Para Toffoli, embora haja uma “dúvida objetiva” sobre a necessidade de se observar também a anualidade – o que validaria a cobrança apenas a partir de 2023 –, é “inequívoco que o legislador complementar, desde a deflagração do processo legislativo, desejou estabelecer, em prol dos contribuintes, o lapso temporal mínimo de noventa dias”. Para Toffoli, o legislador agiu de modo legítimo e de modo a assegurar “outras salvaguardas ao contribuinte, balizando o poder de tributar”.
O ministro observou ainda que parte dos estados, por iniciativa própria, decidiu cumprir o disposto no artigo 3ª da LC 190/22, iniciando a cobrança apenas em 5 de abril de 2002. Entre eles estão Amapá, Amazonas e Minas Gerais.
Divergência parcial
Em setembro, o relator, ministro Alexandre de Moraes, concluiu em seu voto que o Difal de ICMS poderia ser cobrado regularmente em 2022. Para o ministro, a LC 190/22 não institui ou aumenta tributo e, portanto, não precisa respeitar as anterioridades nonagesimal e geral (anual). Na esteira desse entendimento, Moraes considerou ainda inconstitucional a parte final do artigo 3ª da LC 190/22 que definia expressamente a observância da noventena.
Assim, no voto de hoje, Toffoli divergiu apenas quanto ao último ponto, por considerar legítima a opção realizada pelo legislador e, portanto, constitucional o artigo 3ª da LC 190/22. Toffoli concordou ainda com o relator para julgar constitucional o dispositivo segundo o qual as novas definições de contribuinte, local e momento do fato gerador do Difal podem produzir efeitos no primeiro dia útil ao terceiro mês subsequente ao da disponibilização do portal do Difal. Trata-se do artigo 24-A, parágrafo quarto, da Lei Kandir (LC 87/96), incluído pela LC 190/2022.
Contribuintes defendem anterioridade anual do Difal de ICMS
Para o advogado Saul Tourinho Leal, sócio do escritório Ayres Britto, embora o voto de Toffoli reconheça premissas como a vontade do legislador em proteger os contribuintes, o correto seria respeitar tanto a anterioridade nonagesimal quanto a anual.
“O voto do ministro Toffoli reconhece premissas apresentadas pelos contribuintes, mas conclui de modo deletério à própria força normativa da Constituição, pois entende que, diante de uma dúvida hermenêutica objetiva – as palavras são de sua excelência -, cabe ao intérprete o caminho que menos protege os direitos fundamentais. Para nós, é o contrário. Nesses desacordos razoáveis, a solução é a que melhor realiza o bem fundamental protegido, que, no caso, é a anterioridade de exercício, não apenas a nonagesimal”, afirma Tourinho Leal, que representa a Abimaq na ADI 7066.
O tributarista Eduardo Pugliese Pinceli, sócio do Schneider Pugliese, concorda que não é possível dissociar a noventena da anterioridade anual, e a cobrança deveria valer apenas a partir de 2023. Um dos argumentos é que a alínea c, do artigo 150, inciso III, da Constituição, ao tratar da noventena, também define que deve ser observado o disposto na alínea b. Esta, por sua vez, trata da anterioridade anual.
“Eu concordo plenamente com o Toffoli quando ele diz que o legislador complementar pode escolher a anterioridade como prazo para o início da produção de efeitos da lei. A minha única discordância é que não deve ser observada apenas a noventena”, afirma Pugliese.
Para o procurador do estado do Ceará e presidente da Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal (Anape), Vicente Braga, o voto de Toffoli representa, em alguma medida, uma vitória para os estados, uma vez que, caso esse posicionamento prevaleça, a cobrança poderá ser realizada ainda em 2022, mesmo que a partir de 5 de abril.
“Não há o que se falar em novo prazo para vigência da norma, uma vez que o tributo já existia. O ICMS diferencial de alíquota já existia por previsão de lei estadual ou do Distrito Federal, o que apenas teve que se obedecer foi a exigência constitucional no que diz respeito à existência de lei complementar estabelecendo normas gerais. A cobrança a partir de abril representa uma vitória pelo menos parcial para a maioria dos estados”, disse Braga, que realizou sustentação oral no âmbito da ADI 7.078.