O Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar, na próxima quarta-feira, um tema que, a partir de uma leitura rápida, pode até ser confundido com a tão conhecida tese do século: a inclusão do ISS na base de cálculo do PIS e da Cofins. Apesar da aparente semelhança com o precedente de 2017, entretanto, a vitória dos contribuintes não é certa. Entre ministros, deve ser levantada a posição de que, pelas diferenças entre o ISS e o ICMS, o imposto municipal pode ser incluído na base de cálculo dos tributos federais.
O entendimento, por óbvio, é contestado por contribuintes, que apontam que a não aplicação da tese do século pelo Supremo geraria insegurança jurídica. Para alguns tributaristas, os dois temas são tão semelhantes que o processo pautado para esta semana não seria uma “tese filhote”, mas sim uma “tese irmã” da tese do século.
Uma derrota à União no processo, de acordo com o governo, geraria uma repercussão bilionária aos cofres públicos. Segundo dados do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025, a situação traria um impacto de R$ 35,4 bilhões em cinco anos. A estimativa, entretanto, é questionada por empresas e vista como superestimada.
André Mendonça como fiel da balança
Pautado para 28 de agosto, o RE 592616 começou a ser analisado em 2020, por meio do plenário virtual do STF. Em outubro de 2021, na última vez em que o caso foi pautado, a Corte contava com 10 ministros, e, pelo andar da carruagem, o processo poderia terminar empatado em cinco votos a cinco.
Naquele momento, acompanhavam o relator, ex-ministro Celso de Mello, a ministra Cármen Lúcia e os ex-ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Para o relator, o ISS não pode ser considerado receita ou faturamento, por ser um “ingresso financeiro que meramente transita pelo patrimônio e pela contabilidade do contribuinte”. Ainda, o magistrado salientou em seu voto que, em relação à possibilidade de inclusão na base do PIS e da Cofins, o ICMS e o ISS são comparáveis.
Por outro lado, votavam com a divergência aberta pelo ministro Dias Toffoli os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Para Toffoli, ICMS e ISS seguem regimes de arrecadação distintos, entre outros motivos pelo tributo municipal ser cumulativo e não vir destacado na nota fiscal. Assim, seria possível a inclusão do ISS na base do PIS e da Cofins.
Seguindo os posicionamentos da tese do século (RE 574.706, por meio do qual o STF fixou o Tema 69 e definiu que o ICMS integra a base do PIS/Cofins), o ministro Gilmar Mendes tenderia a votar a favor da Fazenda, enquanto o ministro Luiz Fux se posicionaria de forma favorável aos contribuintes. O possível empate levou Fux a pedir destaque do caso em 2021, o que levaria o tema ao plenário físico, com o placar zerado.
Em maio o destaque foi cancelado, mas mesmo assim o caso foi incluído no plenário físico de 28 de agosto. O RE 592616 é o último item da pauta, porém o dia 29 está “vazio”, sendo voltado à análise dos processos remanescentes do dia 28.
Com o retorno do julgamento, devem ser mantidos os votos dos ministros aposentados. Assim, o posicionamento do relator e dos ex-ministros Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, favoráveis aos contribuintes, devem permanecer, e os ministros Nunes Marques, Cristiano Zanin e Flávio Dino, que substituíram os magistrados, não devem votar. Os demais ministros podem optar por manter ou alterar os seus votos.
Caso sejam mantidos os votos proferidos anteriormente e os ministros Gilmar Mendes e Luiz Fux se posicionem conforme a tese do século, a resolução do tema ficará nas mãos do ministro André Mendonça. Fontes próximas ao caso consideram difícil estimar como votará o magistrado. Isso porque, se por um lado ele tende a priorizar a jurisprudência do tribunal, não é possível relevar que ele já ocupou o posto de advogado-geral da União.
Filhotes ou irmãs?
Afinal, ISS e ICMS são tão distintos, a ponto de não poder ser aplicado ao caso envolvendo o primeiro tributo o precedente relativo ao segundo?
Para o procurador Paulo Mendes, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), os dois tributos se submetem a regimes diversos, e, ao contrário do ICMS, o ISS não representa uma mera passagem na contabilidade do contribuinte, sendo um custo da empresa. Assim, o tributo municipal pode ser incluído na base do PIS e da Cofins.
“O sistema tributário brasileiro foi todo estruturado sob essa premissa, de que os tributos também são custos das empresas, e por isso estariam incluídos na ideia de faturamento”, diz Mendes.
Representantes dos contribuintes que atuam no caso, entretanto, têm posição distinta. O advogado Breno Vasconcelos, que representa a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNSaúde) no processo, defende que a diferenciação feita por Toffoli entre ISS e ICMS é indevida. Entre outros argumentos, Vasconcelos aponta que, ao contrário do que defendeu o ministro, o ISS é destacado na nota fiscal, e sua repercussão econômica também é repassada ao consumidor final.
Além disso, para o advogado, a cumulatividade do ISS é “absolutamente irrelevante” para a discussão levada ao STF. “Nós não estamos falando de ICMS ou ISS. Estamos falando de PIS e Cofins”, afirma. A CNSaúde atua como amicus curiae no RE.
Já o advogado Heron Charneski, sócio-fundador da banca Charneski Advogados, que atua no leading case como representante da parte, aponta que entendimentos distintos nos casos do ISS e ICMS podem gerar problemas concorrenciais. Ele cita como exemplo a empresa que consta como parte no RE, a Viação Alvorada LTDA, que está sujeita ao ISS por realizar o transporte de passageiros dentro do município de Alvorada (RS). Por outro lado, companhias que realizam viagens entre municípios distintos estão sujeitas ao ICMS, já que o transporte intermunicipal de passageiros está sujeito ao imposto estadual.
Para Charneski, a tese do século e o processo pautado para o dia 28 são tão semelhantes que o último não deveria ser considerado uma tese filhote do Tema 69, mas sim uma tese irmã.
Por fim, contribuintes questionam o valor estimado pela Receita em caso de derrota no processo. Por meio de um parecer adicionado aos autos, associações da área de tecnologia, que também atuam como amicus curiae, alegam que uma derrota da União no RE geraria perda de arrecadação de R$ 2,8 bilhões em PIS/Cofins, o que representa uma redução de 0,77% do total arrecadado com as contribuições.