Um dia depois de o presidente sancionar a lei complementar que definiu como essenciais uma lista de bens e serviços, os ministros do Supremo Tribunal Federal formaram maioria para declarar a inconstitucionalidade de leis do estado de Santa Catarina e do Distrito Federal que instituíram uma alíquota de ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações acima da alíquota praticada sobre operações em geral. A votação em plenário virtual se encerrou na noite da última sext[4a-feira (24/6) e foi de 11 a 0 para derrubar as leis de SC e do DF (ADIs 7117 e 7123).
Os ministros modularam a decisão, para que ela passe a produzir efeitos a partir de 2024, ressalvadas as ações ajuizadas até 5 de fevereiro de 2021. Na prática, a partir de 2024, a alíquota de ICMS sobre esses serviços em Santa Catarina não poderá ser superior a 17% e, no Distrito Federal, não poderá ultrapassar 18%, uma vez que essas são as alíquotas praticadas por essas unidades da federação sobre as operações em geral.
A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, Dias Toffoli, no sentido de julgar as ações ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) procedentes. Para o magistrado, as leis de Santa Catarina e do Distrito Federal “incidiram em inconstitucionalidade, ao prever alíquotas de ICMS sobre energia elétrica e serviços de comunicação mais elevadas do que a incidente sobre as operações em geral”.
Toffoli aplicou o entendimento fixado pelo STF no julgamento do RE 714139 (Tema 745 da repercussão geral), por meio do qual o STF julgou inconstitucional a instituição de uma alíquota majorada de ICMS sobre esses serviços. Neste julgamento, por maioria, os ministros concluíram que energia e telecomunicações são bens essenciais e que, portanto, a aplicação da alíquota majorada de ICMS sobre esses serviços fere o princípio da seletividade. De acordo com esse princípio, um ente federado pode diferenciar a alíquota para um produto conforme a sua essencialidade.
Na ocasião, os ministros aprovaram a mesma modulação proposta agora, ou seja, para que a decisão produza efeitos a partir de 2024, ressalvadas as ações ajuizadas até 5 de fevereiro de 2021, quando foi iniciado o julgamento de mérito do RE 714139. Isso significa que os contribuintes que entraram na Justiça até essa data terão direito a pagar uma alíquota menor desde o ajuizamento da ação, bem como a restituir os valores pagos indevidamente nos cinco anos anteriores a esse ajuizamento.
No Distrito Federal, os dispositivos declarados inconstitucionais são o artigo 18, inciso II, alínea “a”, ítem 13, alínea “b” e alínea “f” (expressão “para serviço de comunicação”), da Lei Distrital 1.254/96. Em Santa Catarina, os dispositivos impugnados são o artigo 19, inciso II, alíneas “a” e “c”, da Lei Estadual 10.297/96.
Até agora, acompanharam o relator os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Edson Fachin, Nunes Marques, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Faltam votar os ministros Nunes Marques e André Mendonça. O prazo para a apresentação de votos vai até as 23h59 desta sexta-feira (24/6). Até lá, algum ministro pode pedir vista ou destaque. Neste último caso, o julgamento seria levado ao plenário físico, e a contagem de votos, reiniciada.
Além dessas duas ações, o STF julgará outras 24 ADIs ajuizadas pela PGR, questionando uma a uma leis estaduais que instituem alíquotas majoradas sobre energia e telecomunicações.
Estados devem ir ao STF contra nova lei que limita ICMS sobre bens essenciais
Os magistrados formaram maioria para derrubar as leis de Santa Catarina e do Distrito Federal que instituem alíquotas majoradas de ICMS sobre energia elétrica e telecomunicações um dia depois de o presidente Jair Bolsonaro sancionar a Lei Complementar 194/22.
Fruto do PLP 18/22, a lei passa a considerar como bens e serviços essenciais os combustíveis, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo. Com isso, a lei limita a cobrança do ICMS, nos estados e no Distrito Federal, à alíquota aplicada por esses entes da federação às operações em geral. Na prática, essa alíquota geral varia de 17% a 18%. Clique aqui para conferir levantamento do JOTA sobre as alíquotas em cada estado.
No entanto, os estados informaram ao JOTA que devem ajuizar uma ação no STF na segunda-feira (27/6) para questionar a constitucionalidade dessa lei complementar. Para os estados, o Congresso Nacional, não poderia, por meio de lei complementar, definir quais os bens e serviços que devem ser considerados essenciais, o que violaria a autonomia dos estados.
Há questionamentos, inclusive, sobre se essa mudança poderia ser realizada por meio de uma proposta de emenda à constituição (PEC), uma vez que o princípio federativo é considerado cláusula pétrea, por força do artigo 60, parágrafo quarto, inciso I, da Constituição Federal. Segundo esse dispositivo, não será objeto de deliberação a proposta de emenda à Constituição “tendente a abolir a forma federativa de Estado”.
Outra questão levantada pelos estados é o fato de a lei complementar ter entrado em vigor na data de sua publicação, ou seja, nesta quinta-feira. Se o texto for considerado literalmente, os estados e o Distrito Federal teriam de reduzir imediatamente a alíquota de ICMS sobre esses bens e serviços. Na prática, pelo menos em relação à energia e às telecomunicações, isso feriria a decisão do STF, que modulou suas decisões para que a redução passe a valer a partir de 2024.
“Essas questões precisam ser enfrentadas porque afetam gravemente as finanças dos estados. Além disso, o que se questiona é se uma lei complementar poderia ferir a autonomia dos estados para definir quais são os bens e serviços essenciais”, afirma o presidente do Colégio Nacional de Procuradores-Gerais dos Estados e do Distrito Federal (Conpeg) e procurador-geral do estado do Maranhão, Rodrigo Maia.
Modulação definida pelo STF deve prevalecer, dizem tributaristas
Tributaristas ouvidos pelo JOTA afirmam que, mesmo com a sanção da lei complementar, o que deve prevalecer é a modulação de efeitos aprovada pelo STF. Ou seja, pelo menos sobre energia e telecomunicações, os estados serão obrigados a reduzir a alíquota de ICMS apenas a partir de 2024. O cumprimento desse prazo garantiria a segurança jurídica da decisão do STF.
“Eu penso que a decisão do STF deve preponderar. O Supremo decidiu que a alíquota superior é inconstitucional, mas garantiu a sua sobrevivência até o fim de 2023”, afirma o tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Mauler Advogados.
Para o tributarista Giuseppe Pecorari Melotti, do Bichara Advogados, a modulação definida pelo STF deve prevalecer até mesmo porque não há normas nos estados definindo as novas alíquotas.
“A lei complementar trouxe a previsão de que a alíquota não pode ser maior sobre esses bens e serviços, mas ainda não há normas nos estados prevendo as novas alíquotas”, diz Melotti.