O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) tem condenado a maioria das empresas que adotam palavras-chave de concorrentes em links patrocinados na internet – anúncios de destaque vendidos por sites de busca. No ano passado, em 81% dos casos analisados, os desembargadores entenderam que a prática configura concorrência desleal, segundo levantamento realizado pela Brunner Digital, empresa de monitoramento e proteção de marcas na internet.
E a tendência, por enquanto, é de essas decisões serem mantidas. No único caso em que o mérito foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) – Peixe Urbano versus Hotel Urbano -, foi colocada uma pá de cal no fim de março. Os ministros rejeitaram recurso (embargos de divergência) apresentado pelo Hotel Urbano para tentar reverter a condenação.
As empresas, além disso, correm o risco de ter que desembolsar valores cada vez maiores de multa ou indenização por causa de links patrocinados. No caso envolvendo Magazine Luiza e Via, durante a Black Friday, um juiz estipulou multa de R$ 5 milhões se a conduta fosse mantida.
No mercado, há ferramentas que conseguem mensurar o valor perdido de faturamento com vendas on-line em decorrência do desvio de clientela pelo uso de links patrocinados por concorrentes. “Para pedir a devida reparação, é possível comprovar que o desvio foi praticado no território brasileiro, quantas vezes o anúncio apareceu e com qual frequência”, diz Daniel Filla, diretor para a América Latina da empresa alemã AdPolice, especialista em proteção de marcas na internet.
Links patrocinados são veiculados nos resultados de pesquisas dos maiores buscadores da internet brasileira. Toda vez que o usuário da busca pesquisar a palavra-chave que o anunciante está patrocinando, seu anúncio será exibido, em destaque, junto com os resultados gerados.
Em 2016, por unanimidade, a 3ª Turma do STJ julgou o assunto (REsp 1606781). Decidiu que a prática de concorrência desleal pelo uso indevido de marca e desvio de clientela “foi exaustivamente comprovado com a constatação de links patrocinados adotando-se como palavra-chave a expressão Peixe Urbano e suas variações”. No fim de março, ao analisar embargos do Hotel Urbano, os ministros entenderam não haver caso divergente na Corte para levar o assunto à Seção.
Segundo Cláudio Roberto Barbosa, sócio do escritório Kasznar Leonardos, banca especializada em propriedade industrial, a Súmula nº 7, que impede a reanálise de provas, torna mais difícil que casos de links patrocinados cheguem ao STJ. “Mas se você consegue provar que há desvio de clientela, a decisão da segunda instância vai ser mantida”, afirma. “Em agosto, por exemplo, o STJ analisou um caso de link patrocinado [REsp 1541870], aplicou a Súmula nº 7 e confirmou uma cobrança por danos morais de R$ 20 mil.”
Nos Estados Unidos e vários países da Europa, a jurisprudência é no sentido oposto a do Brasil. Entende-se que as empresas podem comprar palavras-chave semelhantes às marcas dos concorrentes. Basta ficar claro aos consumidores a origem dos produtos ou serviços anunciados para não se configurar violação da legislação antitruste.
Já no Brasil, segundo Barbosa, a tendência é proteger. “Quando existe uma marca registrada ou sinal distintivo claro de uma empresa, ela não pode ser usada como palavra-chave de link patrocinado”, diz. “É diferente no caso de marcas não tão distintivas, como o mesmo nome para um biscoito e um jornal.”
No TJSP, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, por exemplo, determinou o pagamento de R$ 20 mil por danos morais, após concluir que o comportamento do réu, ao utilizar palavras-chave referentes ao concorrente no Google Ads, “caracteriza concorrência desleal, no sentido de influenciar os consumidores para contratarem os serviços por elas prestados” (processo nº 1006136-89.2020.8.26.0100).
Para a ex-conselheira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a advogada e professora da Universidade de Brasília Ana Frazão, essa é uma jurisprudência atenta e antenada com o papel crescente dos buscadores na vida de todos.
Do ponto de vista concorrencial, Ana explica que deve ser difícil para o Cade estruturar uma investigação por ser complicado delimitar um mercado relevante. “Diversos mercados estão envolvidos ao mesmo tempo”, diz. “Mas o beneficiário final das normas antitruste é o consumidor e o Cade pode agir inclusive de ofício, sem necessidade de uma denúncia para investigar.”
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), por meio de nota, afirma não ter regras específicas sobre links patrocinados. Porém, afirma que busca identificar se as redes sociais cumprem as normas de proteção dos consumidores e adotam medidas preventivas em suas políticas ou práticas de publicidade junto a anunciantes. O objetivo é “impedir que empresas com histórico ou potencial de dano aos consumidores possam se valer das redes sociais para perpetrar abusos ou, mesmo, fraudes contra os consumidores”.
O Google, também por nota, diz que o Google Ads permite a exibição de anúncios em uma área separada dos resultados gerais da busca. A empresa admite que não restringe o uso de marcas registradas como palavras-chave. Mas afirma permitir seu uso no texto do anúncio só pelo detentor da marca. “Se trata de uma prática comum e legítima de concorrência no mercado”, diz.
Procurada pelo Valor, a Magazine Luiza não deu retorno até o fechamento da edição. A Via informou, por meio de nota, que não comenta processos em andamento.