Em novos embargos de declaração na ADC 49, os contribuintes pedem que o Supremo Tribunal Federal (STF) defina que, com a decisão que afastou o ICMS nas operações interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular, as empresas que não recolheram o tributo, tenham ou não entrado na Justiça para discutir a causa, não sejam obrigadas a pagar os valores retroativamente. Isso evitaria que os contribuintes que não pagaram o ICMS nas operações nos últimos anos e não discutem o tema na Justiça ou na esfera administrativa possam ser alvo de cobranças pelos estados.
Em julgamento de embargos de declaração concluído em 19 de abril, o STF definiu que a decisão que afastou o ICMS nessas operações deve produzir efeitos a partir de 2024. Ou seja, os estados podem cobrar o tributo até o fim de 2023. Os magistrados ressalvaram processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito na ADC, ou seja, 29 de abril de 2021. Neste caso, os contribuintes com decisão administrativa ou judicial favorável a si, além de não pagar o ICMS nessas operações, terão direito à devolução de valores cobrados no passado, respeitado o prazo prescricional de cinco anos para a cobrança do crédito tributário.
Nos novos embargos de declaração, com relatoria do ministro Edson Fachin, o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom) pede que o STF esclareça o julgado, de modo a garantir que aqueles contribuintes que não recolheram o ICMS, tenham ou não entrado na Justiça, não sejam obrigados a recolher o tributo retroativamente. A entidade argumenta que tanto a jurisprudência do STF quanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) era pacífica para afastar o ICMS nas operações interestaduais envolvendo estabelecimentos do mesmo titular.
O sindicato citou, por exemplo, o julgamento do Tema 1099 do STF, em 2020. Na ocasião, a Corte firmou a tese segundo a qual “não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia”.
A entidade ressalta ainda que, antes de qualquer pronunciamento do STF, o STJ proferiu em 1996 a Súmula 166. De acordo com esse enunciado, “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”. Em 2010, o STJ reafirmou esse entendimento no julgamento do Tema Repetitivo 259, com fixação de tese idêntica à súmula.
O sindicato afirma que os contribuintes, ao não recolher o ICMS nessas operações mesmo sem judicializar a causa, tinham uma legítima expectativa e confiança na jurisprudência firmada pelos dois tribunais superiores. A entidade aponta que, depois de o STF definir em abril que a decisão vale a partir de 2024, tribunais como o TJSP e o TJMT têm autorizado estados a cobrar o ICMS em exercícios anteriores.
Nos embargos de declaração, o sindicato pediu que o STF sane a obscuridade para esclarecer que “a modulação de efeitos empregada no caso concreto não permite a cobrança do ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte anteriormente a 2024, de forma a salvaguardar os contribuintes que ajuizaram, ou não, medidas judiciais para afastar a cobrança do ICMS”.
Insegurança jurídica
O tributarista Leonardo Gallotti Olinto, sócio do Daudt, Castro e Gallotti Olinto Advogados, afirma que a jurisprudência que afasta o ICMS nas operações interestaduais entre estabelecimentos do mesmo titular é antiga, inclusive com o entendimento firmado na Súmula 166 do STJ. Gallotti Olinto concorda que o contribuinte que não recolheu o tributo amparado nessa jurisprudência não deve, agora, correr o risco de ser cobrado pelos estados retroativamente. O tributarista afirma que essa cobrança retroativa feriria o artigo 24 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB). Segundo esse dispositivo, é “vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas”.
Para Gallotti Olinto, quando o STF, no julgamento de abril, modulou os efeitos da decisão, a intenção da Corte foi impedir que quem pagou o tributo peça a restituição aos estados. A seu ver, a intenção do Supremo não foi permitir que os estados cobrem quem não recolheu o ICMS nessas operações. Para ele, porém, os novos embargos de declaração atrasam ainda mais o trânsito em julgado da decisão (quando não cabem mais recursos), com impacto sobre os contribuintes.
“Muitos tribunais administrativos não estão aplicando a decisão da ADC 49 sob o argumento que ela não transitou em julgado. Portanto, ou os processos ficam parados ou a decisão é contrária, em claro prejuízo para os contribuintes”, disse Gallotti Olinto.
Ele observou ainda que, como a decisão ainda não é definitiva, também não é definitivo o comando para o Congresso Nacional legislar sobre a manutenção e transferência dos créditos, criando uma grande incerteza jurídica. No julgamento de abril, o STF decidiu que os contribuintes terão o direito de manter e transferir os créditos de ICMS para outros estados a partir de 2024, cabendo aos estados regular o tema.