A Justiça do Rio de Janeiro autorizou uma empresa de tecnologia da informação a excluir do cálculo do ISS o próprio imposto municipal e o PIS e a Cofins. É a primeira decisão no Estado a vedar o chamado cálculo por dentro – ou seja, a inclusão do ISS na sua própria base.
Para fundamentar a liminar, a juíza Katia Cristina Nascentes Torres, titular da 12ª Vara da Fazenda Pública, utilizou o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que excluiu o ICMS do cálculo do PIS e da Cofins. “Os fundamentos adotados devem se aplicar para justificar a exclusão do valor devido a título de ISS, PIS e Cofins da base de cálculo do ISS”, afirma na decisão.
De acordo com o advogado Rubens de Souza, do escritório WFaria Advogados, a adesão dos clientes à tese não era forte porque os valores a serem recuperados pelo pagamento a maior do ISS são convertidos em precatórios. E o pagamento desses títulos, acrescenta, tem sofrido sucessivas prorrogações. Recentemente, a Emenda Constitucional 109/2021 autorizou Estados e municípios a pagarem os débitos até 2029.
“Com a pandemia, o cenário mudou pela necessidade das empresas por alívio de caixa. O benefício maior desse tipo de decisão é para frente”, afirma Souza, que representa a empresa beneficiada pela liminar. Com a ordem judicial, a empresa poderá deixar de incluir no valor a recolher de ISS os 5% do ISS e os 9,25% de PIS/Cofins.
A discussão sobre o cálculo por dentro do ISS passa pela definição do que compõe o preço do serviço, que é a base de tributação do imposto. Há uma corrente que defende que o valor tributável inclui o valor da nota fiscal, incluindo os custos tributários. Outra corrente aponta que a base é o preço faturável pelo prestador, que não inclui receitas de terceiros, como os tributos.
Para a juíza Katia Cristina Nascentes Torres, que concedeu a liminar, o preço representa o faturamento apurado em contraprestação ao serviço executado. “De modo que a ampliação do entendimento firmado para o imposto municipal é medida que se impõe para justa cobrança do tributo”, diz (processo nº 0069739-23.2021.8.19.0001).
Até então, o único precedente favorável à exclusão do ISS da sua própria base de cálculo era do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), em decisão proferida em 2011. À época, os desembargadores afastaram a aplicação de lei municipal de Campinas que determinava a inclusão do ISS no valor a ser recolhido do imposto. Consideraram a exigência descabida visto que a legislação do tributo não prevê o chamado “cálculo por dentro” (processo nº 9112187-90.2003.8.26.0000).
Rubens de Souza entende que a ausência de autorização do cálculo por dentro na Lei Complementar nº 116/2003, que regula o ISS, é um argumento a mais para reduzir a base de tributação do imposto. A Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir), por exemplo, prevê expressamente que o ICMS compõe sua própria base de cálculo. O STF já julgou constitucional a exigência. “Essa alegação deve ser levada em conta na sentença”, diz.
O raciocínio aplicado ao caso do ISS é semelhante, mas não exatamente igual à disputa sobre a inclusão do ICMS na base do PIS/Cofins, de acordo com advogados. “Fez-se uma analogia com o raciocínio da decisão do STF”, afirma a advogada Alaíde Linhares Carlos, do RMS Advogados.
Para o advogado Geraldo Wetzel Neto, sócio da Bornholdt Advogados, o entendimento do STF pode ser usado como fundamento, mas ele lembra que a própria Corte já chancelou o cálculo por dentro do ICMS. “O STF vai dizer o mesmo para o ISS ou vai prevalecer a disponibilidade financeira?”, questiona.
O debate sobre a inclusão do ISS na base do próprio imposto também pode ser enquadrado em um contexto de guerra fiscal entre os municípios. O artigo 8º da LC 116 fixa em 2% a alíquota mínima do ISS. No parágrafo único, veda reduções de base de cálculo, que é o efeito prático de excluir tributos do cálculo do imposto municipal.
“Municípios já questionaram legislações de outros entes por entenderem que essa seria uma forma de maquiar a redução do valor a pagar. Então, não há alternativa ao contribuinte que não ingressar em juízo para discutir o conceito do preço do serviço”, afirma o advogado Daniel Corrêa Szelbracikowski, sócio da Advocacia Dias de Souza.
Em nota, a procuradoria do município do Rio de Janeiro diz que ainda analisa a decisão.